Hoje é sexta-feira santa e fiquei pensando, cinquenta anos atrás como era a nossa Páscoa...
Na semana santa tudo era pecado.
Comer carne era pecado.
Cantar era pecado.
Ficar alegre então nem se fala, pecado também.
Na sexta-feira da paixão tínhamos a obrigação de nos conter em todos os sentidos, palavrão nem em pensamento, Deus via tudo, e lia pensamentos pecaminosos inclusive.
A gente tinha que vigiar até pensamento, que droga !!! (desculpa, "droga" era pecado).
Varrer a casa só até o meio dia.
ah ! isso era bom !
E a louça podia ficar sem lavar ?
A mãe dizia que não, que a louça podia lavar.
Que sacanagem !!! (desculpa, "sacanagem" era pecado).
Podíamos comer bacalhau regado no azeite ou em forma de sopa com uma couve com nome esquisito, couve troncha, e que a gente chamava de trouxa.
Ah ! tínhamos como dever ficar tristes, e podíamos nos derramar em lágrimas com o filme da sessão da tarde, "Paixão de Cristo", todo ano era o mesmo filme a mesma história, no final Jesus sempre morria crucificado e a mãe de Jesus chorava e Maria Madalena chorava e a gente chorava junto.
A mãe dizia que era bom ver o filme mil vezes pra nunca esquecer : Jesus morreu na cruz para nos salvar.
Não entendia direito mas se a mãe falou não ia duvidar, ainda mais se tratando de coisa santa na sexta-feira santa.
A noite tinha procissão. Tinha que ir.
Um ano fui pagar promessa não sei de quem.
Mania besta que os outros tem de fazer promessa para o outro pagar.
Me achei linda vestida de anjo.
Me vestiram com uma camisola de cetim branco e me colocaram um par de asas com penas de verdade, não era pena de galinha pois eram muito branquinhas, acho que eram penas de ganso, tão macias que pareciam asas de verdade, na cabeça uma auréola de estrelinhas, me vi um anjo perfeito, até esqueci dos pecados.
À frente da procissão ia o padre rezando, ao seu lado os meninos coroinhas balançavam o turíbulo, uns vasos com correntes cheios de incenso fazendo fumaça, logo atrás vinha o andor com Nossa Senhora e o corpo de Jesus morto.
Eu sabia que era estátua mas pareciam de verdade, dava dor no coração e dó só de olhar, coitadinho de Jesus.
Todo mundo que acompanhava a procissão tinha que carregar uma vela acesa protegida por um copinho de papel, ficava tão bonito aquele monte de velas.
E lá ia a procissão percorrendo as ruas do bairro com muita cantoria, hinos de igreja cantados a plenos pulmões, por doze vezes a procissão parava e alguém começava a discursar a viacrucis; aquelas paragens deixava o caminho mais longo e ser anjo começava incomodar.
A procissão terminava na igreja junto com a minha resignação e paciência, a multidão se dispersava, todos contidos dentro do maior respeito, não se via um sorriso, os homens todos sérios e as mulheres todas chorosas e os santos coitadinhos todos cobertos com um pano roxo.
No sábado já era diferente, aquele clima pesado aos poucos diminuía, tínhamos uma missão importante, malhar Judas, o traidor de Jesus.
Os adultos pegavam uma roupa velha de homem e enchia de trapos, espumas, serragens, enchia tanto que parecia uma pessoa de verdade, era o tal do Judas Iscariotes, ele tinha sobrenome porque tinha dois Judas, e um era bonzinho, e a gente não podia malhar o Judas errado.
Perto do meio dia amarrávamos o Judas com uma corda na árvore mais próxima e munidos de pau de vassoura ou qualquer outro tipo de pau espancávamos o tal do Judas Iscariotes até a morte.
Aí o lado perverso aflorava, nada de asinhas de anjo e como se não bastasse depois de caído e destroçado ainda ateávamos fogo no boneco.
Aleluia ! Aleluia ! e o sábado de aleluia virava uma festa.
O domingo de Páscoa era o auge da celebração, pra variar tinha missa pela manhã, afinal Jesus havia ressuscitado e a igreja estava em festa, os santinhos todos felizes pois haviam saído do castigo de quarenta dias cobertos com aquele pano roxo.
Quanta felicidade ! as músicas eram mais alegres as pessoas se vestiam com a "roupa da missa", e todas estampavam sorrisos; no final da missa a gente se abraçava.
O almoço era caprichado e a sobremesa era ovo de chocolate, um ovo de chocolate, não um pra cada um, era um só mesmo, grande, porque a família era grande, e era dividido entre todos, inclusive entre os adultos, eles também tinham barriga.
O ovo durava o tempo de acabar e lamber os dedos e os beiços até o último vestígio do chocolate.
E assim terminava nossa Páscoa.
Hoje em dia tá tudo diferente.
Todo mundo canta, dança, varre a casa ,fala palavrão.
A semana santa é tipo páscoa, com peixe salgado tipo bacalhau, com azeite tipo extra virgem, com bolo tipo colomba e o ovo tipo chocolate.
Na semana santa tudo era pecado.
Comer carne era pecado.
Cantar era pecado.
Ficar alegre então nem se fala, pecado também.
Na sexta-feira da paixão tínhamos a obrigação de nos conter em todos os sentidos, palavrão nem em pensamento, Deus via tudo, e lia pensamentos pecaminosos inclusive.
A gente tinha que vigiar até pensamento, que droga !!! (desculpa, "droga" era pecado).
Varrer a casa só até o meio dia.
ah ! isso era bom !
E a louça podia ficar sem lavar ?
A mãe dizia que não, que a louça podia lavar.
Que sacanagem !!! (desculpa, "sacanagem" era pecado).
Podíamos comer bacalhau regado no azeite ou em forma de sopa com uma couve com nome esquisito, couve troncha, e que a gente chamava de trouxa.
Ah ! tínhamos como dever ficar tristes, e podíamos nos derramar em lágrimas com o filme da sessão da tarde, "Paixão de Cristo", todo ano era o mesmo filme a mesma história, no final Jesus sempre morria crucificado e a mãe de Jesus chorava e Maria Madalena chorava e a gente chorava junto.
A mãe dizia que era bom ver o filme mil vezes pra nunca esquecer : Jesus morreu na cruz para nos salvar.
Não entendia direito mas se a mãe falou não ia duvidar, ainda mais se tratando de coisa santa na sexta-feira santa.
A noite tinha procissão. Tinha que ir.
Um ano fui pagar promessa não sei de quem.
Mania besta que os outros tem de fazer promessa para o outro pagar.
Me achei linda vestida de anjo.
Me vestiram com uma camisola de cetim branco e me colocaram um par de asas com penas de verdade, não era pena de galinha pois eram muito branquinhas, acho que eram penas de ganso, tão macias que pareciam asas de verdade, na cabeça uma auréola de estrelinhas, me vi um anjo perfeito, até esqueci dos pecados.
À frente da procissão ia o padre rezando, ao seu lado os meninos coroinhas balançavam o turíbulo, uns vasos com correntes cheios de incenso fazendo fumaça, logo atrás vinha o andor com Nossa Senhora e o corpo de Jesus morto.
Eu sabia que era estátua mas pareciam de verdade, dava dor no coração e dó só de olhar, coitadinho de Jesus.
Todo mundo que acompanhava a procissão tinha que carregar uma vela acesa protegida por um copinho de papel, ficava tão bonito aquele monte de velas.
E lá ia a procissão percorrendo as ruas do bairro com muita cantoria, hinos de igreja cantados a plenos pulmões, por doze vezes a procissão parava e alguém começava a discursar a viacrucis; aquelas paragens deixava o caminho mais longo e ser anjo começava incomodar.
A procissão terminava na igreja junto com a minha resignação e paciência, a multidão se dispersava, todos contidos dentro do maior respeito, não se via um sorriso, os homens todos sérios e as mulheres todas chorosas e os santos coitadinhos todos cobertos com um pano roxo.
No sábado já era diferente, aquele clima pesado aos poucos diminuía, tínhamos uma missão importante, malhar Judas, o traidor de Jesus.
Os adultos pegavam uma roupa velha de homem e enchia de trapos, espumas, serragens, enchia tanto que parecia uma pessoa de verdade, era o tal do Judas Iscariotes, ele tinha sobrenome porque tinha dois Judas, e um era bonzinho, e a gente não podia malhar o Judas errado.
Perto do meio dia amarrávamos o Judas com uma corda na árvore mais próxima e munidos de pau de vassoura ou qualquer outro tipo de pau espancávamos o tal do Judas Iscariotes até a morte.
Aí o lado perverso aflorava, nada de asinhas de anjo e como se não bastasse depois de caído e destroçado ainda ateávamos fogo no boneco.
Aleluia ! Aleluia ! e o sábado de aleluia virava uma festa.
O domingo de Páscoa era o auge da celebração, pra variar tinha missa pela manhã, afinal Jesus havia ressuscitado e a igreja estava em festa, os santinhos todos felizes pois haviam saído do castigo de quarenta dias cobertos com aquele pano roxo.
Quanta felicidade ! as músicas eram mais alegres as pessoas se vestiam com a "roupa da missa", e todas estampavam sorrisos; no final da missa a gente se abraçava.
O almoço era caprichado e a sobremesa era ovo de chocolate, um ovo de chocolate, não um pra cada um, era um só mesmo, grande, porque a família era grande, e era dividido entre todos, inclusive entre os adultos, eles também tinham barriga.
O ovo durava o tempo de acabar e lamber os dedos e os beiços até o último vestígio do chocolate.
E assim terminava nossa Páscoa.
Hoje em dia tá tudo diferente.
Todo mundo canta, dança, varre a casa ,fala palavrão.
A semana santa é tipo páscoa, com peixe salgado tipo bacalhau, com azeite tipo extra virgem, com bolo tipo colomba e o ovo tipo chocolate.