sexta-feira, 30 de março de 2018

"Páscoa"

Hoje é sexta-feira santa e fiquei pensando, cinquenta anos atrás como era a nossa Páscoa...


Na semana santa tudo era pecado.

Comer carne era pecado.

Cantar era pecado.

Ficar alegre então nem se fala, pecado também.

Na sexta-feira da paixão tínhamos a obrigação de nos conter em todos os sentidos, palavrão nem em pensamento, Deus via tudo, e lia pensamentos pecaminosos inclusive.

A gente tinha que vigiar até pensamento, que droga !!! (desculpa, "droga" era pecado).

Varrer a casa só até o meio dia.
 ah ! isso era bom !

 E a louça podia ficar sem lavar ?
A mãe dizia que não, que a louça podia lavar.

Que sacanagem !!! (desculpa, "sacanagem" era pecado).

Podíamos comer bacalhau regado no azeite ou em forma de sopa com uma couve com nome esquisito, couve troncha, e que a gente chamava de trouxa.

Ah ! tínhamos como dever ficar tristes, e podíamos nos derramar em lágrimas com o filme da sessão da tarde, "Paixão de Cristo", todo ano era o mesmo filme a mesma história, no final Jesus sempre morria crucificado e a mãe de Jesus chorava e Maria Madalena chorava e a gente chorava junto.

A mãe dizia que era bom ver o filme mil vezes pra nunca esquecer : Jesus morreu na cruz para nos salvar.

Não entendia direito mas se a mãe falou não ia duvidar, ainda mais se tratando de coisa santa na sexta-feira santa.

A noite tinha procissão. Tinha que ir.

Um ano fui pagar promessa não sei de quem.

Mania besta que os outros tem de fazer promessa para o outro pagar.

Me achei linda vestida de anjo.

Me vestiram com uma camisola de cetim branco e me colocaram um par de asas com penas de verdade, não era pena de galinha pois eram muito branquinhas, acho que eram penas de ganso, tão macias que pareciam asas de verdade, na cabeça uma auréola de estrelinhas, me vi um anjo perfeito, até esqueci dos pecados.

À frente da procissão ia  o padre rezando, ao seu lado os meninos coroinhas balançavam o turíbulo, uns vasos com correntes cheios de incenso fazendo fumaça, logo atrás vinha o andor com Nossa Senhora e o corpo de Jesus morto.

Eu sabia que era estátua mas pareciam de verdade, dava dor no coração e dó só de olhar, coitadinho de Jesus.

Todo mundo que acompanhava a procissão tinha que carregar uma vela acesa protegida por um copinho de papel, ficava tão bonito aquele monte de velas.

E lá ia a procissão percorrendo as ruas do bairro com muita cantoria, hinos de igreja cantados a plenos pulmões, por doze vezes  a procissão parava e alguém começava a discursar a viacrucis; aquelas paragens deixava o caminho mais longo e ser anjo começava incomodar.

A procissão terminava na igreja junto com a minha resignação e paciência, a multidão se dispersava, todos contidos dentro do maior respeito, não se via um sorriso, os homens todos sérios e as mulheres todas chorosas e os santos coitadinhos todos cobertos com um pano roxo.

No sábado já era diferente, aquele clima pesado aos poucos diminuía, tínhamos uma missão importante, malhar Judas, o traidor de Jesus.

Os adultos pegavam uma roupa velha de homem e enchia de trapos, espumas, serragens, enchia tanto que parecia uma pessoa de verdade, era o tal do Judas Iscariotes, ele tinha sobrenome porque tinha dois Judas, e um era bonzinho, e a gente não podia malhar o Judas errado.

Perto do meio dia amarrávamos o Judas com uma corda na árvore mais próxima e munidos de pau de vassoura ou qualquer outro tipo de pau  espancávamos o tal do Judas Iscariotes até a morte.

Aí o lado perverso aflorava, nada de asinhas de anjo e como se não bastasse depois de caído e destroçado ainda ateávamos fogo no boneco.

Aleluia ! Aleluia ! e o sábado de aleluia virava uma festa.

O domingo de Páscoa era o auge da celebração,  pra variar tinha missa pela manhã, afinal Jesus havia ressuscitado e a igreja estava em festa, os santinhos todos felizes pois haviam saído do castigo de quarenta dias cobertos com aquele pano roxo.

Quanta felicidade ! as músicas eram mais alegres as pessoas se vestiam com a "roupa da missa", e todas estampavam sorrisos; no final da missa a gente se abraçava.

O almoço era caprichado e a sobremesa era ovo de chocolate, um ovo de chocolate, não um pra cada um, era um só mesmo, grande, porque a família era grande, e era dividido entre todos, inclusive entre os adultos, eles também tinham barriga.

O ovo durava o tempo de acabar e lamber os dedos e os beiços até o último vestígio do chocolate.

E assim terminava nossa Páscoa.

Hoje em dia tá tudo diferente.

Todo mundo canta, dança, varre a casa ,fala palavrão.

A semana santa é tipo páscoa, com peixe salgado tipo bacalhau, com azeite tipo extra virgem, com bolo tipo colomba e o ovo tipo chocolate.















quarta-feira, 28 de março de 2018

"Sensação ruim"

É uma sensação estranha que só acontece pela manhã, depois que volto e me vejo sozinha na cama, a sensação vem com os olhos fechados, me sinto pesada e imóvel, nada em mim se mexe ou dói, me sinto presa dentro de mim mesma, como se o meu corpo estivesse lacrado em uma caixa de chumbo.
Estou lúcida só não consigo me mover... inerte.
Sensação muito ruim que dura longos minutos... ainda bem que é só uma sensação e que consigo sair dela...mas eu acho que tem um significado, claro que tem, mas não descobri qual é.

sexta-feira, 23 de março de 2018

"Sombras"

*

"Sombras que caem

do céu escuro

em todos os cantos

eu te procuro

e não encontro.

Sombras que descem

pairam na terra

que me dominam

não me deixando ver

seu rosto

amor...

Mas quando o sol nascer

quando o jardim florir

 eu encontrar você

de novo

 o amor....

Sombras que caem...."


*letra e música de Carlos Alberto Auricchio.


Cantamos muito essa música no final da década de 70, letra pura e ingênua, do jeitinho que éramos naquela época, hoje cantamos para relembrar e brincar.


Quem disse que amor de praia não sobe a serra não sabe o que diz.

Não acredito em casais perfeitos, mas acredito em Carlos e Vera.


Carlos e Vera






quinta-feira, 22 de março de 2018

"Homem bonito"



Olhar de homem bonito incomoda.

Mas vale a pena incomodar.

Olhei para os lados, poderia não ser comigo.

Talvez houvesse alguém atrás de mim.

Não, não tinha.

Um taxi, quem sabe ? também não.

Aquele olhar seria mesmo na minha direção ?

Fiquei checando as possibilidades disfarçadamente.

Passei a língua entre os dentes, nada.

Verifiquei se os botões da blusa estavam trocados, em ordem.

 Os brincos eram do mesmo par, ok.

Será que o vento bagunçou e fez chifrinho no meu cabelo ? Não.

Ou a minha boca furada babou alguma coisa na minha roupa ? Capaz.

Será que não tinha nada de errado mesmo ?!

Por que não ?

Fiquei desconcertada.

Preciso aprender a me valorizar.

Se ele quis olhar, alguma coisa lhe agradou.

Então ?! deixa olhar.

Não vai arrancar pedaço.

As vezes um simples olhar é tudo o que precisamos.

Num passe de mágica tudo pode melhorar....

Obrigada homem bonito você levantou minha autoestima.

Yeeesss !!! I can !!!!

Ainda !

terça-feira, 20 de março de 2018

"Acorda !"

Os sons matinais romperam o silêncio...

...rádio ligado...

...vassoura varrendo a casa...

...máquina de lavar tentando decolar...

...crianças que berram ao longe...

...palmas no portão...

...cachorros latindo...

Deitada continuo imóvel quieta e silenciosa.

Dos meus sentidos apenas a audição...

Esse mundo barulhento insiste em querer me acordar...

Ouço ao longe uma canção antiga, "let's put it all together"...

Espero a canção terminar.

Queria ficar só mais um pouco mas não tem jeito, vou ter que levantar...






quarta-feira, 14 de março de 2018

"Líder do Bando"

Os dias não são iguais.

Por mais enraizados na rotina, afirmo que os dias nunca são iguais.

É tão comum a gente se ligar no automático que muitas vezes nem percebemos, ou se percebemos deixamos pra lá.

Olho para os meus cachorros que dormem ao meu lado ao pé da cama, só me levanto porque um deles me pede para abrir a porta da casa pra fazer xixi lá fora.

Se não fosse a necessidade deles com certeza ficaria mais um pouco espichada na cama, com os olhos fechados não querendo saber que dia é hoje e quais os compromissos mais urgentes.

As vezes, não sempre, depois do xixi volto pra cama e tento dormir mais um pouco, fico me convencendo que não há motivos para levantar tão cedo, e que para aposentado tanto faz uma hora a mais uma hora a menos.

O problema é que se a gente for se conscientizar das horas e do tempo sempre estamos em desvantagem, vivendo a cada dia que passa essa hora a menos.

Os meus cachorros ficam me olhando sem entender nada como que perguntando "não era isso que você deveria fazer, como assim ?! voltando pra cama ?! caminho errado.... volta, e a sua rotina ?! e a nossa rotina, como fica ?!!!"

É exatamente através do olhar deles, aquele olhar de interrogação que percebo como nosso cotidiano nos deixam tão óbvios.

Indecisos e resignados lá vão eles seguindo os meus passos até o pé da cama, deito sem me movimentar muito e eles mais silenciosos que eu também deitam, cada qual na sua caminha.

Sou a líder do bando.

Decido: mais tarde come, mais tarde levo pra passear, e ali eles ficam, junto comigo, sem nos mexermos.

Se resolvesse ficar deitada o dia inteiro eles também ficariam, as vezes é assim que quero ficar, deitada com os olhos fechados, sem querer acordar pra vida muito menos para os meus problemas.

Eles não sabem que não sou cachorro.

Não posso deixá-los morrer a míngua, daí passada uma hora me levanto e a alegria deles é tanta  que querendo ou não me forço a fazer as coisas, por leles, afinal que culpa os bichinhos tem se me elegeram a líder do bando ?!

Devo cuidar.

Devo prover.

quinta-feira, 8 de março de 2018

"Amarga, frustrada, mal amada..."

Acordo cedo como qualquer pessoa normal que tem um sono regular e que vai dormir com as galinhas.

Óbvio que acordo cedo.

Abro o meu smartphone e leio algumas mensagens sobre o dia de hoje.

8 de março dia internacional da mulher.

Alguns textos são "inspiradores" trazem um lay-out bonito, com flores reluzentes e mulheres lindas, ah ! e aquela musiquinha de fundo porque sem ela não rola, tem que ter musiquinha de fundo, o-bri-ga-tó-ria-men-te !!!! Daí prefiro tirar o som, isso, assim, sem som é melhor! a musiquinha me dá nos nervos (afinal sou mulher).

Leio.

Não me sinto envaidecida muito menos homenageada.

Nenhuma delas me representa.

Não sei se é porque estou me aproximando dos sessenta acho tudo tão hipócrita.

Os textos improvisados escritos por pouquíssimas mulheres são um pouco menos mentirosos, mas continuam idealizados e romantizados.

AH ! mulheres mulheres mulheres !!!!!

 As mulheres isso as mulheres aquilo... tpm, filhos, trabalho, autoestima, salto e blá blá blí blá blá blá.....

Sou mulher, foi o x com x que me fez mulher o meu cérebro é cérebro de mulher segundo os cientistas tem um lado que trabalha diferente e segundo os ignorantes se o cabelo for tingido de loiro nem sequer trabalha, mas isso são outros quinhentos, há controvérsias, não vou cogitar.... as vezes meu cérebro nem raciocina direito, mas não é porque sou mulher, tem uma porrada de gente que o cérebro não funciona de jeito nenhum, o meu pelo menos vai... devagarinho, mas vai...

As palavras mais comuns de todos os textos que li : " guerreira, linda, garra, auto estima, liberdade, luta ..." e por aí vai.

Somos assim...  somos assadas...

 O que seriam dos homens sem as mulheres ?!!!

Bem ! o que seria eu não sei, mas a natureza sempre dá um jeito. Pra tudo ! Ah ! Dá !!!

Quanta bobagem !!!!

O que quero dizer é que não tenho nada contra as mulheres e que trocaria as palmas, as flores e todos os rapapés por dignidade e respeito todos os dias do ano, e não porque sou mulher, porque sou gente, de carne, de osso, de sentimento.

Vivemos numa sociedade machista e preconceituosa e quando me refiro a sociedade "todos" estamos incluídos", homens homens, homens mulheres, mulheres mulheres, mulheres homens....

Somos repetições de nós mesmos. Lembram da música "como nossos pais" ? Pois é ! é isso que somos.

Aí vou ouvir mulheres revoltadas dizerem "meus filhos brincam com bonecas" e eu pergunto E....?!!!!!
Isso muda o quê ?!!!!!

A cultura, a educação, a mentalidade, tudo precisaria ser revisto, e a conscientização deveria ser coletiva, e se a gente se repetir isso nunca vai acontecer.

Me sinto descrente. Vão me dizer, ela é amarga, frustrada, recalcada, mal amada......

Troco todos os adjetivos por realista.

NÃO VAI MUDAR.

Ano que vem a mulher do ano não será Anita, talvez outra do momento, com a bunda maior e o rebolado mais sexy.

Ah! mas todas nós somos mulheres !!!!!!

Então ?! que tal nos darmos o devido respeito ?!

Será que estou falando mal das mulheres ?! (meu momento de reflexão).

Pra variar um pouquinho, vi na "santa internet" um post de mulheres idosas em poses e roupas ousadas fazendo referência a ser sexy na terceira idade (avançada), a mais novinha acho que tinha oitenta anos.

O que dizer a respeito ? Querem a verdade em como me senti ?

Mal. Me senti péssima !!! elas não me representam. Achei tão decadente.

Fiquei envergonhada, a famosa vergonha alheia.

Cada idade tem o seu propósito na sua beleza.

Crianças são puras, são sinceras, fazem gracinhas tudo é bonito.

Os adolescentes tem colágeno, elastina e hormônios, milhares de hormônios pululando, pensam que tudo podem. E podem.

Na idade adulta temos a conscientização que as formas devagarinho vão se desfazendo, nos enchemos de grilos e incertezas, mesmo assim nos olhamos no espelho e nos sentimos inteira.

Na maturidade temos a certeza que o prazo de validade está com os dias contados, o famoso agora ou nunca, e aí vem algo que não sei o que é que nos faz despertar: "Sim, posso ser sexy! " ainda!. E aí se o seu desconfiômetro estiver desligado dá pra ousar bastante e ser ridícula, é só ligar o botãozinho do "Foda-se".

Mas na terceira idade, essa que chamam de "melhor idade", sabe deus lá melhor idade pra quem ?! o que é que temos ?!!!!

Temos um monte de coisas que se acumularam durante nossa existência, amigos, afetos, pelancas, mas daí a sermos sexy ?!!! por favor me poupem !!!!

Tem um texto que fala sobre os vários aspectos do belo em arte.

Tem o belo expressão do real - o que de fato é belo no significado exato do seu conceito.
Tem o belo expressão da realidade- que mostra o belo disforme numa crítica social.
E o belo expressão da comunicação- que é o belo representado nas cores e formas abstratas e geométricas.

Pensei nisso porque a velhice tem a sua beleza sim, mas não na forma do seu conceito e sim na forma que representa.

Ficar velho não é bom, quem tem a ousadia de dizer que ser velho é bom, tá abusando da hipocrisia.

 "VIVER" é bom, desde que tenhamos prazer e motivação.

Outra coisa que me intrigou essa semana foi uma palestra que falava sobre a curva da felicidade, fazendo a ressalva que pessoas de mais idade são mais felizes, pois se permitem ligar o botãozinho do "foda-se".

Gostei de ouvir, serviu, coube, como uma roupa que nos cai bem.

Por outro lado ouvi que para ter uma boa velhice três coisas são fundamentais:

Saúde, estabilidade financeira e estabilidade afetiva.


Aí me pergunto : Quantos idosos tem os três ítens ? Quantos tem pelo menos dois ? Dá pra ter uma boa velhice com apenas um item?

Concluo que ser mulher e idosa não é sinônimo de felicidade nem motivo de comemoração.

Eita mulherzinha amarga, frustrada, recalcada e mal amada.... ela vai mal !!!!!!

De novo : Posso trocar as congratulações por respeito ?

Que bom! Obrigada!










quarta-feira, 7 de março de 2018

"Quietude"

Se não estou bem comigo mesma

não estarei bem em lugar algum

por mais calmo e aprazível que esse lugar seja.

Fico tentando buscar o paraíso dentro de mim

procuro por paisagens que acalme minha alma

com um sol morno de uma tarde cheia de preguiça

para acalmar meu coração.

Busco esse estado de quietude e prazer,

procuro com vontade mas não estou me bastando.

Meu jeito duro as vezes precisa de colo,

alguém pra me dizer que tudo ficará bem.

E vai ficar.

Por que tem uma hora que tudo melhora.