segunda-feira, 29 de março de 2021

"5ªJ"

 Toda vez que termino uma leitura me sinto inspirada à escrever, dia desses finalizei o livro "Tempos de Escola", uma coletânea de contos, crônicas e memórias de autores diversos.

Fiquei impressionada com as narrativas e concluí que mesmo com distanciamento da realidade física entre os séculos, os anseios, os medos os sonhos de toda criança são muito parecidos mesmo nos dias atuais.

Tenho a memória curta enquanto aluna, são poucas lembranças do meu tempo de escola em compensação armazenei inúmeras passagens no papel de professora.

Uma delas aconteceu em meados da década de 90....

Eu não sei de quem foi a infeliz ideia de juntar os piores alunos de cada sala em uma única turma, a famosa e temida 5ªJ

Uma sala aparentemente pequena e inofensiva, mas qual !!!!!! Eram doze alunos, ou melhor,  doze meninos/homens cujas idades variavam entre os quatorze e dezessete anos, naquela época não havia a promoção automática e a reprovação os obrigava a permanecer na mesma série ano após ano.

Os piores em todos os sentidos, não havia respeito, educação, interesse em aprender, motivação, nada que os fizesse acordar pra vida.

Compulsoriamente para os professores mais novos foram atribuídas as aulas com a desafiadora tarefa de "domesticar as feras".

Toda aula havia uma ocorrência relativamente grave, certa vez enquanto o professor de Geografia escrevia na lousa, alguns alunos debandaram pelo corredor da porta acobertado pelos demais e saquearam a cantina da escola, voltando vitoriosos com as guloseimas roubadas e distribuindo entre os comparsas numa tremenda algazarra, enfim já não havia mais espaço no caderninho preto onde todos eram fichados e, mesmo que houvesse, aquilo não mais os intimidavam.

O que me restava antes de entrar naquela sala era rezar vinte padre-nossos, trinta ave-marias, me benzer, respirar fundo, afiar as ferraduras, fechar a cara estufar o peito, precisava antes de tudo me armar de coragem para encará-los de frente e assim pisando duro e disfarçando o medo adentrei à jaula dos leões famintos.

Pelo silêncio que me receberam pressenti que havia algo errado mas me convenci que poderia estar enganada, fiz a chamada, registrei o conteúdo da aula no diário de classe e munida das ferramentas que dispunha, uma régua e um esquadro de madeira comecei a aula....aí veio o martírio, enquanto estava de costas começou um gemido baixinho que não identifiquei bem à princípio e fingi não me incomodar dando continuidade a explicação, mas o gemido persistiu agora um pouco mais alto, me virei e com olhar fuzilante de reprovação tentei identificar o meliante deixando claro que não aprovava a situação, retornei ao quadro negro e a gemeção ficou mais explícita, mais intensa, identificando com mais clareza do que se tratava, era inacreditável que aquilo estivesse acontecendo comigo, tentei ignorar mais uma vez, quem sabe a brincadeira sem graça se esgotasse por si, mas não foi o que sucedeu, a gemeção e a respiração ofegante cada vez mais alta foi se intensificando tremi, o esquadro já não se encaixava na mão, estava confusa, envergonhada sem saber como agir, era muita petulância, me virei furiosa querendo explodir, respirei fundo e com as duas mãos apoiadas sobre a mesa os desafiei : haveria ali homem suficiente que além da gemeção pudesse se apresentar e pedir desculpas ?! Todos me olharam em silêncio, ninguém se apresentou, havia um cinismo no ar, todos estavam mancomunados, desisti de dar continuidade a matéria, me sentei de frente pra sala e agora era eu que permanecia em silêncio, fitando-os indignada, na minha cabeça a única coisa que me ocorria era como o Sidney Poitier havia conseguido, me senti um zero à esquerda, grandíssimos filhos da puta !

 



 


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