quinta-feira, 23 de novembro de 2017

"Piscina da Móoca"

 Orra meu ! história de paulistano do Tatuapé e da Móoca, década de 70, tá ligado ?! Escuta essa..


O parque municipal com a piscina da Móoca ficava a alguns quilômetros de casa e não dava para ir a pé, tínhamos que tomar um ônibus.

 Não era a nossa única opção de laser, também éramos sócios da Associação Desportiva da Polícia Militar, mas que graça tinha em ir  ao clube particular se os nossos amigos não podiam entrar ?
Por isso era muito mais legal e democrático ir ao Parque Municipal.

O sol estava de rachar e o que mais queríamos era ir pra piscina se refrescar e brincar.

A mãe contou o dinheiro da passagem de ida e volta com as ressalvas para que prestassemos atenção na água, que não fizéssemos nada de errado e que não demorássemos para voltar e blá blá blá blá blá...toda aquela ladainha que mãe faz com os filhos antes deles botarem o pé pra fora do portão.

Pobres mães ! se elas soubessem o resultado de juntar turma com liberdade jamais sairíamos da proteção de suas asas.

 Sem demostrar  ansiedade, eu e minha irmã mais nova guardamos o dinheiro, ajeitamos nossas mochilas, nos despedimos da mãe e saímos para a aventura.

Foi virar a esquina e se juntar a galera para o coração explodir na emoção, o sorriso se abriu de orelha a orelha, estávamos nos sentindo como passarinhos livres da gaiola.

O riso corria solto, tudo era engraçado, subir no ônibus, as brecadas bruscas, as pessoas esquisitas que entravam e saiam, tudo era motivo para zombarias e gargalhadas.

Chegando ao clube vislumbramos a piscina como quem avista um oasis.

Mergulhos, braçadas, guerra de água, trampolim com as mãos, banho de sol, paqueras, vivíamos uma alegria incansável.

Que tarde maravilhosa ! mas é incrível como a felicidade agiliza o tempo. No auto-falante anunciavam que tínhamos que nos retirar pois a piscina iria fechar. Que saco ! logo hoje, logo agora, ainda tinha sol e estava tudo tão bom !

Não teve jeito era regra, a piscina fechava as cinco e obrigatoriamente tínhamos que nos retirar, mesmo que o salva-vidas o fizesse a força.

Quando me deparei com a fila para o chuveiro tive a certeza que todos as pessoas que ali estavam pensaram a mesma coisa, aproveitar o dia de sol até o último momento.

E se tem fila tem que ter paciência, só depois de muito tempo é que conseguimos nos reunir novamente para irmos embora.

Banho tomado, cabelinho molhado, cheirinho de desodorante misturado com shampoo, galera reunida, ponto lotado, ônibus cheio. Faltava  alguma coisa ?
Não, apenas coragem para embarcar.

Imaginem, horário do "rush", pessoas se empurrando para entrar a maioria penduradas na porta dos coletivos e nós sem a mínima vontade ou coragem pra se arriscar.

Com muitos palpites e sem muita opção resolvemos que retornaríamos andando para casa, não havia outra solução e também quem se importava, a noite estava fresquinha e a tentação nos convenceu a gastar o dinheiro da condução com um delicioso sorvete.

Só fomos tomar consciência da gravidade da nossa escolha quando dobramos a esquina da rua de casa.
Nossas famílias estavam em desespero, não entendia porque tanta raiva, estávamos vivos, estávamos bem, deveriam estar felizes e aliviados e se estavam, não parecia, souberam disfarçar muito bem.

Já era tarde da noite e fomos recebidos aos berros com uma bronca sem fim, tentávamos  dar explicações sem ao menos conseguir, até que cada família achou por certo resolver o problema com seus filhos, cada qual particularmente dentro de casa.

Lembro dos olhos verdes fumegantes de minha mãe me alertando entre os dentes que o pai estava em casa e que eu veria o que "ia ser".

Esse "você vai ver !" já fez a perna tremer e balançar, me preparei para a catástrofe.

Morria de medo do meu pai, ele já tinha cara de bravo, furioso ficava ainda pior, sem meias palavras nos mandou para a copa. Quando passou a chave na porta pressenti que a surra ia ser boa.

Nunca havia apanhado do meu pai, chineladas da mãe já estava acostumada, eram as famosas "levantar poeira", mas do pai !!! nunca !!!

Perguntei com o cinismo de adolescente petulante: " Posso explicar ?"
Raivosamente com a voz grave, quase voz de trovão respondeu: "Não tem explicação!".
 Com o cinismo dobrado, sentei na cadeira e retruquei :"Então pode começar".
 Aí veio a tempestade.

Primeiro assisti passivamente a surra na minha irmã mais nova que a cada cintada se contorcia feito uma minhoca fora da terra, aos prantos gritava " Paizinho pelo amor de Deus!" coitadinha tão magrinha  e dá-lhe cintadas e "Paizinho pelo amor de Deus!!!!"

Bom ! havia chegado a minha vez, me levantei e as cintadas começaram, a minha imobilidade, o meu silêncio e a ausência de lágrimas, deixaram a ira do meu pai ainda maior, não teve jeito percebi que se não simulasse uma lágrima o couro iria correr solto o resto da noite, fingi que chorei.

 Eita menininha ruim !!

Minha mãe arrependida batia na porta implorando que meu pai parasse.
Coitado ! mais arrasado que nós, ele abriu a porta e saiu.

Sobrou para minha mãe cuidar dos roxos nas pernas, braços e bunda, e dá-lhe advertência, conselhos e salmoura.

Na ocasião senti muita raiva do meu pai.

Hoje tenho consciência do porquê apanhamos.

Traumas ?! Nenhum.

Dizem que "pé de galinha( galo) não mata pinto".

Realmente, apenas ficou na memória o dia em que quase viramos canja.











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