quarta-feira, 18 de julho de 2018

"Tom e Jerry"

E por falar em caderninho preto e em história trash vamos a uma delas...

Mas antes vai aí algumas elucidações :

Antigamente aluno reprovava quantas vezes fosse preciso, e de verdade, na maioria das vezes nem era preciso.

Então era muito comum ter em sala de aula alunos com uma disparidade muito grande de idade, por exemplo, um aluno com dez ou onze anos que entrava na quinta série pela primeira vez convivia com outro de quinze ou dezesseis que havia repetido a mesma série três vezes, este fato originava brigas, intimidações, roubo de lanche entre outras ocorrências comuns e frequentes.

O coitado do professor sofria para lidar com a situação e as aulas eram um eterno apaziguar de ânimos, até que em 1996 se estabeleceu o que os especialistas em educação chamou de "Reorganização do Ensino".

Resumindo os alunos teriam uma aprovação automática, e tanto os professores quanto os alunos deveriam ser remanejados de escola de acordo com os seus ciclos : Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio, mas até que essa ordem de se equiparar idade com série se estabelecesse teríamos que passar por um período de transição.

Pois é ! Foi exatamente isso que aconteceu, lá estávamos todos, alunos e professores de três escolas com realidades muito diferentes, remanejados e agora concentrados compulsoriamente numa escola estranha, todos insatisfeitos, contrariados, nos sentindo muito injustiçados, tendo que transpor inúmeros obstáculos.

Estávamos vivenciando um ano atípico e muito difícil.

Resolveu-se então que as turmas seriam divididas por faixa etária, dos menores aos maiores, originando as famigeradas quinta série I e quinta série J.

O que dizer sobre eles ?!

A turma era pequena, no máximo quinze alunos por sala com idade que variava entre quinze e dezoito anos, muito indisciplinados muito revoltados e muito difícil de lidar, não havia metodologia ou psicologia que nos ajudasse a minimizar as situações de conflito que aconteciam diariamente.

 Bem, vamos aos fatos...

"Os dois meninos eram unha e carne e nenhum dos dois flor que se cheirasse, viviam brigando e mesmo assim não se desgrudavam, o magrinho subjugado e o truculento intimidador, pareciam Tom e Jerry num desafiar eterno entre gato e rato.

 Já estava acostumada com os conflitos e minha tarefa era tentar minimizá-los durante os meus cinquenta minutos de aula, exercia  repetidamente a função de apaziguadora e na maioria das vezes sentia minha energia sugada totalmente esgotada.

Eis que um belo dia sem saber da razão ou o motivo, vejo a sala agitada e Tom e Jerry se estranhando com certa proximidade, numa atitude descompensada o menino maior pega a tesoura sem ponta e coloca no pescoço do outro menino deixando-o paralisado, surtei com a cena, aquilo era surreal e não tive dúvidas, confisquei a tesoura e muito brava dei aquela lição de moral nos dois mocinhos e fui colocando ordem na sala com a inocência de que havia resolvido o problema.

 Mas qual !!! de repente percebi duas mãos agarradas  ao pescoço do mais indefeso... não acreditei eram eles de novo ! tremi... o que fazer ?! como professora tinha que fazer valer minha autoridade, e com a voz empostada e firme ordenei que o soltasse... e nada... quis ser mais enfática... e nada... tentei ainda ser mais enérgica e nada... até perceber que teria que intervir, e com dificuldade foi o que fiz com ajuda de outro aluno, fomos soltando os dedos que agarravam com fúria o pescoço do pobre que já estava sem ar, até que por fim conseguimos desvencilhar ambos.

Meu Deus o que foi aquilo ?!! Tentativa de homicídio ?!! Brincadeirinha ?!!!
 Não !!!!!
 Brincadeirinha inaceitável !!! Aquilo não podia terminar com tapinha nas costas e "brincadeirinha professora !".

Ainda trêmula e perplexa peguei o caderninho preto para narrar o ocorrido, tanto os pais quanto a direção da escola deveriam tomar ciência e alguma providência haveria de ser tomada.

Nervosa comecei a escrever enquanto todos aguardavam em silêncio o desfecho daquela situação. Escrevi uma página inteira sobre a "insanidade" do aluno com todos os detalhes do que havia se passado.

Quando terminei de escrever resolvi ler em voz alta para que todos na sala testemunhassem a veracidade dos fatos e no calor da minha fúria acabei usando o termo antipedagógico "insano" provocando a onça com vara curta.

 Enquanto discursava o aluno em questão muito transtornado levantou-se de sua carteira ao fundo da sala e caminhou em minha direção esbravejando :  " Você  está me chamando de louco ?!" e a cada passo de intimidação esbravejava furioso : "você está me chamando de louco ?!" e lá vinha ele se aproximando...

Gelei por dentro... agora o caldo iria entornar de vez e era só o que me faltava... me pegar com aluno em plena sala de aula.

 Resolvi apostar, era tudo ou nada, minha intuição dizia que não poderia demonstrar medo, e que deveria permanecer no mesmo lugar e encará-lo de frente, intuí que se desse um único passo para trás ele partiria pra cima de mim e morrendo de medo por dentro mas sem deixar transparecer permaneci imóvel dando continuidade a narrativa.

Que sufoco !!!

Percebendo que não havia me intimidado ele se afasta já consciente que a situação estava ficando difícil e que deveria forçosamente assumir a bobagem que fez.

Ufa !!!! Que alívio !!! Arrisquei e foi por muito pouco que a tragédia não aconteceu.

Aquele dia foi tenso, inesquecível!!!

A história terminou com a expulsão do aluno da escola, mas os conflitos, bem os conflitos estavam muito longe de acabar...".

Nos meus trinta anos de magistério aquele ano de 1996 foi sem sombra de dúvida o mais penoso para todos nós.

Eita aninho difícil !!!!














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