O trânsito estava literalmente parado na mesma avenida que outrora não passava de uma rua tranquila por onde circulava o ônibus Elétrico.
Dentro do carro eu e minha mãe observávamos saudosistas as poucas casas que resistiram ao tempo, e dentre elas o prédio de esquina, hoje com aspecto abandonado e invadido pelos desvalidos.
Comecei então a fazer uma viagem no tempo...
1972 : Curso de Admissão, professor Edu, Aulas Particulares.
Na minha época de estudante as escolas públicas faziam uma seleção para ingressar no Ginásio, era o temido "Exame de Admissão".
Fato é que fiquei reprovada em matemática e para não perder aquele ano meus pais, com todo sacrifício do mundo, me matricularam no curso de Admissão Ginasial do Professor Edu.
Sabe aquela história de que há males que vem para o bem ?! Pois então, foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido, conhecer seu Edu e seu método de ensino.
O Cenário.
A porta do prédio dava para a rua e vivia aberta no horário das aulas, uma longa escada nos levava até um salão enorme onde eram ministradas as aulas, as carteiras eram agrupadas ao centro com um grande espaço livre no entorno delas, bem em frente ficava o quadro negro e a mesa do professor, repleta de livros, pilhas de provas, redações e trabalhos escolares, no canto oposto havia um pequeno palco a meio metro do chão, e na lateral uma entrada para o vestiário e banheiros, havia também no outro extremo do salão uma poltrona antiga de couro, ao lado uma vitrola portátil com uma caixa grande repleta de discos de vinil, alguns tão antigos que só tocavam em rotações específicas, bem era este o cenário que convivi naquele ano de 1972, que não teria o mesmo encantamento sem a presença dele, seu Edu, nosso professor.
O Mestre.
Seu Edu aparentava ter mais de sessenta anos, de estatura mediana, pele clara, bigode ralo e cabelos brancos usava sempre o mesmo figurino : colete, paletó, boina de feltro na cabeça e um cachecol xadrez enrolado ao pescoço.
Sua voz era grave e rouca, o cheiro da bala de hortelã na boca se misturava ao cheiro de cânfora, característico das pessoas idosas que sofrem de reumatismo.
Impunha respeito e austeridade ao mesmo tempo em que era amável e dócil.
Estratégia.
Uma hora antes da aula seu Edu tinha como estratégia promover um "bailinho" para os alunos. Nos sentíamos motivados, gostávamos de ouvir as músicas e dançar, sempre supervisionado por ele, obedecendo as regras da boa educação e respeito. Era uma alegria tão grande que as ausências eram nulas, íamos até doentes para a aula.
A Metodologia.
Naqueles tempos a metodologia de ensino era muito severa e não se ouvia falar de "bulling", "abuso de autoridade" nem nada parecido, e seu Edu tinha lá os seus métodos, que seriam condenados hoje em dia, mas que funcionavam que era uma beleza.
No palco ele promovia competições entre meninos e meninas com perguntas de português e matemática e quem perdia era obrigado a pagar com chicletes ou balas para o vencedor. *As meninas sempre levavam a melhor.
Toda sexta-feira escrevíamos uma "composição" com temas inspirados em imagens de calendários antigos com crianças loiras perfeitas, brincando com bichinhos lindos no meio do feno numa paisagem bucólica européia maravilhosa. *Me esforçava ao máximo para tirar boa nota na redação porque o castigo para as notas baixas era vergonhoso e humilhante.
A Metodologia do Castigo
Segunda-feira : dia de receber as redações corrigidas.
A cada lance de escada meu coração acelerava, batia tão forte que ao chegar no salão tinha a impressão que saltaria do peito pela boca.
No quadro negro alguns burrinhos desenhados a giz com os nomes de quem não atingiu a média nas redações.
Quantas segundas-feiras de sufoco e de alívio (nunca fui burrinho), sim porque o castigo não se limitava ao desenho dos burrinhos, ia além e esse além era bem pior.
A entrega das redações era decrescente, quando chegava no insatisfatório os referidos "burrinhos" se posicionavam à frente e eram obrigados a vestir um chapeuzinho de burro feito de cartolina, pensa que acabou por aí ?! Não, tudo que era ruim podia ser pior. Ao término da entrega de todas as redações os pobres eram obrigados a percorrer o entorno da sala em um pé só, saltitando ao sons do relinchos e gestos de chicoteadas dos "colegas" incentivados pelo professor. Quanta humilhação ! Quanta vergonha ! Alguns estavam tão acostumados que aparentemente nem se importavam mais, levavam na brincadeira, mas não para mim, pois toda segunda-feira o coração saltava, nunca tive traumas e hoje as lembranças me fazem rir.
Parada no trânsito olhando a calçada e a porta que outrora vivia aberta parece que ouço a vitrola no último volume tocando a música preferida de seu Edu : "Adeus Solidão"- Carmem Silva, a nos convidar para o "bailinho" antes da aula.
Saudades !
Dentro do carro eu e minha mãe observávamos saudosistas as poucas casas que resistiram ao tempo, e dentre elas o prédio de esquina, hoje com aspecto abandonado e invadido pelos desvalidos.
Comecei então a fazer uma viagem no tempo...
1972 : Curso de Admissão, professor Edu, Aulas Particulares.
Na minha época de estudante as escolas públicas faziam uma seleção para ingressar no Ginásio, era o temido "Exame de Admissão".
Fato é que fiquei reprovada em matemática e para não perder aquele ano meus pais, com todo sacrifício do mundo, me matricularam no curso de Admissão Ginasial do Professor Edu.
Sabe aquela história de que há males que vem para o bem ?! Pois então, foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido, conhecer seu Edu e seu método de ensino.
O Cenário.
A porta do prédio dava para a rua e vivia aberta no horário das aulas, uma longa escada nos levava até um salão enorme onde eram ministradas as aulas, as carteiras eram agrupadas ao centro com um grande espaço livre no entorno delas, bem em frente ficava o quadro negro e a mesa do professor, repleta de livros, pilhas de provas, redações e trabalhos escolares, no canto oposto havia um pequeno palco a meio metro do chão, e na lateral uma entrada para o vestiário e banheiros, havia também no outro extremo do salão uma poltrona antiga de couro, ao lado uma vitrola portátil com uma caixa grande repleta de discos de vinil, alguns tão antigos que só tocavam em rotações específicas, bem era este o cenário que convivi naquele ano de 1972, que não teria o mesmo encantamento sem a presença dele, seu Edu, nosso professor.
O Mestre.
Seu Edu aparentava ter mais de sessenta anos, de estatura mediana, pele clara, bigode ralo e cabelos brancos usava sempre o mesmo figurino : colete, paletó, boina de feltro na cabeça e um cachecol xadrez enrolado ao pescoço.
Sua voz era grave e rouca, o cheiro da bala de hortelã na boca se misturava ao cheiro de cânfora, característico das pessoas idosas que sofrem de reumatismo.
Impunha respeito e austeridade ao mesmo tempo em que era amável e dócil.
Estratégia.
Uma hora antes da aula seu Edu tinha como estratégia promover um "bailinho" para os alunos. Nos sentíamos motivados, gostávamos de ouvir as músicas e dançar, sempre supervisionado por ele, obedecendo as regras da boa educação e respeito. Era uma alegria tão grande que as ausências eram nulas, íamos até doentes para a aula.
A Metodologia.
Naqueles tempos a metodologia de ensino era muito severa e não se ouvia falar de "bulling", "abuso de autoridade" nem nada parecido, e seu Edu tinha lá os seus métodos, que seriam condenados hoje em dia, mas que funcionavam que era uma beleza.
No palco ele promovia competições entre meninos e meninas com perguntas de português e matemática e quem perdia era obrigado a pagar com chicletes ou balas para o vencedor. *As meninas sempre levavam a melhor.
Toda sexta-feira escrevíamos uma "composição" com temas inspirados em imagens de calendários antigos com crianças loiras perfeitas, brincando com bichinhos lindos no meio do feno numa paisagem bucólica européia maravilhosa. *Me esforçava ao máximo para tirar boa nota na redação porque o castigo para as notas baixas era vergonhoso e humilhante.
A Metodologia do Castigo
Segunda-feira : dia de receber as redações corrigidas.
A cada lance de escada meu coração acelerava, batia tão forte que ao chegar no salão tinha a impressão que saltaria do peito pela boca.
No quadro negro alguns burrinhos desenhados a giz com os nomes de quem não atingiu a média nas redações.
Quantas segundas-feiras de sufoco e de alívio (nunca fui burrinho), sim porque o castigo não se limitava ao desenho dos burrinhos, ia além e esse além era bem pior.
A entrega das redações era decrescente, quando chegava no insatisfatório os referidos "burrinhos" se posicionavam à frente e eram obrigados a vestir um chapeuzinho de burro feito de cartolina, pensa que acabou por aí ?! Não, tudo que era ruim podia ser pior. Ao término da entrega de todas as redações os pobres eram obrigados a percorrer o entorno da sala em um pé só, saltitando ao sons do relinchos e gestos de chicoteadas dos "colegas" incentivados pelo professor. Quanta humilhação ! Quanta vergonha ! Alguns estavam tão acostumados que aparentemente nem se importavam mais, levavam na brincadeira, mas não para mim, pois toda segunda-feira o coração saltava, nunca tive traumas e hoje as lembranças me fazem rir.
Parada no trânsito olhando a calçada e a porta que outrora vivia aberta parece que ouço a vitrola no último volume tocando a música preferida de seu Edu : "Adeus Solidão"- Carmem Silva, a nos convidar para o "bailinho" antes da aula.
Saudades !
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