quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Diário, 30 de Janeiro 2020

Não há como escapar de certas situações, velório de pessoa relativamente próxima é uma delas, e a dona Ana fez parte da minha infância e adolescência, crescemos todos juntos, os filhos dela, os filhos de minha mãe, os filhos dos outros vizinhos, éramos uma grande turma de rua.

"Engraçado", entre aspas, foi encontrar boa parte desta turma depois de tantos anos, porque não dizer décadas. Muitos não reconheci, sabia que aquela cabeça pertencia a algum pescoço, mas Qual ? Quem ? Difícil adivinhar. Apelei para minha mãe que tem a cabeça mil vezes melhor que a minha, lembra de tudo e de todos com nitidez, daí com sua ajuda fui reconhecendo as pessoas aos poucos, sem dar muita trela, pois não estava afim de me socializar.

Cara, tá todo mundo velho, uns mais acabados que outros, o peso dos anos foi muito cruel para alguns, e o pior de tudo foi me encaixar naquele contexto, pois também estou velha, me olho no espelho e acho que estou bem para minha idade, mas será que estou bem á vista dos outros ? Vai saber né ?! Contudo não fiquei triste, deprimida e nem nada que me pusesse para baixo, ao contrário, achei um tanto de graça, por um lado é bom saber que o tempo está passando pra todo mundo, não só pra mim.

 Bem, mas não é apenas isso que aconteceu....

Um homem veio em nossa direção, nos abraçou e beijou mostrando certa intimidade, dizendo que mesmo não o reconhecendo ele se lembrava da gente muito bem, sorri sem graça, emudeci. Conversou alguns minutos com minha mãe, pediu seu telefone, anotou em seu celular e por fim se afastou.
- Quem era a "peça rara" ?!
- O Donizete, amigo do seu pai, claro que você lembra !

Não, não lembrava, mas fiquei observando-o de longe, então era ele, o tal do Donizete, "amigão" do meu pai, considerado por todos da família, menos por mim.

Olhar para o Donizete é relembrar da circunstância da morte de meu pai, é abrir aquele ponto de interrogação enorme na minha cabeça que persistiu durante anos. Queria ter o poder de olhar fundo nos seus olhos e extrair o que de fato aconteceu.

Nunca acreditei na teoria de latrocínio, houve outros fatos que também nunca foram esclarecidos.
 As circunstâncias que sucederam após a morte do meu pai, tem o Donizete e sua esposa nas minhas lembranças nos mínimos detalhes.

Já havia tempos que não remoía este assunto e encarar o Donizete reascendeu minhas dúvidas.

Fato é que deixei o tempo passar e depois de dezenove anos não há mais nada que possa ser feito.

Esta dúvida me pertence, ninguém nunca me ouviu de verdade, todos amenizaram os fatos, a teoria do latrocínio transformou meu pai num herói pra todo mundo menos pra mim, meu pai era de carne e osso, ser humano bom, passível de erro como qualquer pessoa, eu só não queria estar sendo leviana, por isso precisava tanto da verdade.

Morrerei sem saber.







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