quinta-feira, 23 de maio de 2019

"Feminista de Araque"

Tenho tendências feministas, sou como dizem os mais velhos, revoltada e indignada por natureza, desde muito jovem sempre me questionei a respeito do comportamento e da condição da mulher pelo simples fato de ser mulher. Quando era adolescente minha rebeldia nas questões feministas se fazia com indagações que ninguém conseguia me responder ou convencer com veemência, ouvia sempre a mesma coisa, eles são homens e você é mulher, sim, porque na minha condição e criação homem tudo podia, a desculpa era sempre a mesma "lavou tá limpo", mas a mulher, ô coitada das mulheres, ficariam faladas e marcadas para o resto da vida, como uma cicatriz grande na testa que nem cirurgia plástica seria capaz de arrumar para esquecer.
Meus irmãos levavam as namoradas para nossa casa de praia, eram verdadeiros reis, mimados pelo pai que sentia orgulho do filho varão e adocicados com as carícias das moçoilas no sofá, na cama ou onde quisessem. "Por que eu não posso ?" Filha minha não se dá o desfrute, vai ficar falada, marmanjo nenhum vai tirar farofa aqui dentro, Não e ponto, mas... Não !! mas e se... Não é Não !!!! Tudo bobagem, dizem que quanto mais se espreme nas mãos mais escorre pelos dedos, verdade.
Fato é que eu e minhas irmãs sempre fomos obedientes e todas saímos de casa casadas, de véu, grinalda e todos os rapapés que a sociedade exigia, entregues literalmente das mãos do pai para as mãos do marido com a promessa de que o escolhido em questão iria honrá-las, protegê-las e provê-las para o resto da vida, então pronto, o pai já poderia morrer em paz e orgulhoso com a certeza de que as filhas estariam salvas das maledicências do mundo.
Sempre digo que a felicidade no casamento dura o tempo de impregnar a gordura da comida nos azulejos da cozinha e eu como uma boa feminista de araque continuei rebelde, porque se tinha uma coisa que eu não sabia era me pôr no"meu lugar".
Mulher é o quê ? Mulher é o esteio da casa, o pilar que sustenta a família, deve ser amorosa e sempre ajudar o marido. Quantas receitas absurdas ouvia.
Sabe filha faz assim... você faz a comida e se ele demorar para chegar você come um pouquinho só pra enganar o estômago assim quando ele chegar vocês jantam juntos, ou deixa ele pensar que está fazendo do jeito dele depois com jeitinho você o convence a fazer do seu, pois é, tinha que ter o jeitinho, e as receitas eram várias, para cada ocasião tinha uma receita, meu deus ! o que dizer para essas mulheres que viveram achando que eram excelentes esposas, amantíssimas, mães maravilhosas ?!!! coitadas delas ou coitada de mim que via tudo do lado do avesso ? Qual era o lado certo ?!
Minha mãe me contou que meu vô se casou com minha vó por um fato que me deixou no mínimo intrigada porque não dizer inconformada.
Ele era noivo já há algum tempo de uma fulana que na sua ausência de noivo resolveu assistir a um jogo de futebol que se dava num campo de várzea próximo de sua casa, e o azar da coitada foi tanto que na hora exata da comemoração de um gol meu vô passava pelo local e assistiu a cena, gerando motivo suficiente para romper o noivado. Ei, espera ! Como assim ?! Ela gritou gol, ele viu e de estalo a moça já não era mais digna de ser sua esposa ?!!! Calma lá, naquele tempo as coisas eram muito diferentes, sucedeu então que meu vô se casou com minha vó que por acaso não torcia pra time algum.
O machismo está impregnado na nossa cultura e não são apenas os homens machistas, as mulheres mães também o são, afinal o machismo se reproduz no comportamento no pensamento fazendo parecer normal o homem porque é homem e a mulher por ser mulher, como se fôssemos apenas o complemento de uma coisa que tem que ser completa por exigência, tradição ou seja lá o que for.
Minha mãe e seus conselhos é um exemplo típico da mulher mãe e esposa que se anulou a vida inteira em prol da família. Das muitas passagens que viveu ao lado de meu pai fixou na minha memória  esta história, nos contou com certa ingenuidade e orgulho até, que nas noites de frio intenso levantava de madrugada para preparar o café enquanto meu pai desfrutava de uns minutos a mais na cama e que pouco antes dele se aprontar para o serviço ela lhe passava as meias à ferro para que ele as calçasse quentinhas. Seria romântico e apaixonante se minha ótica não fosse anti-machista ou tão feminista. Sempre fui rebelde, jamais enganei meu estômago para jantar duas vezes e muito menos lhe passei as meias, mas a minha condição de mulher me obrigou forçosamente a me por no "meu lugar", indignada, sapateando, esbravejando mas ao mesmo tempo resignada, afinal brigar pra quê ?!
Muitas vezes dei meu grito de liberdade e fiz algumas conquistas das quais me orgulho hoje, creio que sem elas estaria vivendo "boazinha" como minha mãe e minha vó viveram, só que aliado ao boazinha viria o frustradinha porque o problema é que enxergo demais as coisas e o mundo a minha volta, por isso me intitulo "feminista de araque", aquela que chove no molhado e tenta enxugar o gelo. Ainda me questiono, ainda me revolto, mas vivo como as mulheres das antigas, na esperança que para as futuras gerações muita coisa mude, o processo é lento eu sei, mas ele caminha....





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